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Setembro amarelo


Minha terapeuta disse que nenhum suicida quer se matar, na verdade ele quer matar um sofrimento que carrega. Em vinte cinco anos de trabalho ela já atendeu vários pacientes suicidas e sempre comentou com eles que "a vida era deles" mas que antes de fazer qualquer coisa, primeiro falassem com ela. Nesses vinte e cinco anos ela não perdeu nenhum paciente.

Tenho ideias suicidas desde o final da adolescência, nunca falei com ninguém, mas no fundo sempre me achei medrosa demais para tentar. Me lembro quando Kurt Cobain suicidou-se, até hoje não tive coragem de ler sua biografia e a tenho guardada aqui nas minhas coisas. O problema é que o tempo foi passando e tudo foi ficando cada vez mais complicado.

Quando fui internada ano passado, tinha atravessado uma noite horrível, em claro, rezando sem parar, e a ideia de suicídio ficava cada vez mais forte. Ao amanhecer eu não conseguia decidir absolutamente nada, só conseguia ficar sentada e parada. Minha mãe me levou para o hospital e de lá eles indicaram uma clínica psiquiátrica. Quando o médico sugeriu a internação ela me olhou e perguntou: você quer se matar? Não respondi.

Apesar das dificuldades me esforcei para cumprir todos os compromissos da clínica, só quem esteve internado numa clínica psiquiátrica sabe o que acontece lá dentro. É como se você estivesse numa guerra cujo o inimigo é invisível, tudo pode acontecer. Me assumi como mulher transgênero e saí depois de vinte e quatro dias direto para um tratamento intensivo na psicoterapia, que dura até hoje. 

Lá fiz vários amigos e amigas, mas nem tudo são flores. Dois deles suicidaram-se quando saíram e outra tentou. Graças a Deus ela não conseguiu, pois é uma das amigas mais queridas, apesar da distância. Seria muito difícil pra mim lidar com sua perda. Todos os casos eu levei para a terapia e aos poucos fui aceitando que as coisas são como são.

A ideia de suicídio ainda me persegue e só escrevi esse texto porque minha terapeuta achou que seria bom pra mim. É muito doloroso ter que lidar com isso, às vezes, é melhor fingir que não existe, mas temos que encarar nossos medos, não há outro caminho.

Grande beijo. Fique bem.
Lúcia Porto


Comentários

  1. Acho que esse desejo permeia todas as pessoas que sofrem traumas dos mais diversos, mas uma boa base familiar e muito, mas muito amor envolvido as coisas tendem a serem normais e a gente se aceitar como é. Não sou homo, nem trans e nem nada, sou apenas uma pessoa, mas me coloco no lugar de quem é e imagino o sofrimento de estar numa veste que aparentemente não nos pertence. Assumir o que somos de fato nos traz o melhor de nós e o nosso melhor sempre será melhor do que o melhor dos outros. quando assumimos a postura de nos amarmos como somos, aceitarmo-nos e a qualquer preço levarmos adiante esta idéia, este desafio, acredito que passamos o primeiro degrau de cima do suicídio, e ele felizmente ficou no degrau de baixo. Só se descermos ao porão de volta podemos encontrar esse degrau, mas se fecharmos a porta e guardarmos la dentro o que de velho e ruim e não mais usável ficou, só os outros visitarão esse local para terem lembranças de nós. Força na peruca! A música salva tudo e todos, alimente-se dela!

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