1) Como começou seu interesse pela música?
Então Lúcia, primeiro quero agradecer estar aqui contando um pouco da minha história musical no seu espaço, muito me honra, pois sou admirador do seu trabalho e das suas entrevistas, textos e listas. Bom acho que tudo realmente começa em 1977 na loja de discos da minha mãe em São Paulo, na Vila Diva, quando eu frequentava a loja, pois não tinha idade para ir pra escola ainda e nesse tempo, vô e vó não cuidavam de neto pra criar não, raras exceções pai e mãe que o faziam e por consequência de um desquite, minha mãe se lascou e tinha que me carregar pra lá e pra cá onde ia, inclusive no seu trabalho, que nessa fase era em sociedade com meu padrasto com quem ela havia recém casado e haviam criado essa lojinha de discos
Nesse trabalho, inclusive, surgiu a oportunidade dele se tornar funcionário da gravadora Som Livre e receber o convite para abrir frentes no Recife, o que depois de algumas conversas, acabou virando Curitiba, pois era mais próximo de São Paulo nossa terra e onde ficava a casa de meu pai recém desquitado de mamãe (divórcio ainda não existia nessa época), sendo aqui a cidade que vim morar em janeiro de 1979, de onde nunca mais saí.
Vivendo envolto a música e com um tio tocador de cavaquinho e sambista a música gerou interesse precoce pra mim, eu adorava cantar, compor, mesmo sem ainda nem saber escrever, eu decorava minhas letras e melodias, criações que eu cantava em casa enquanto brincava. O interesse por instrumentos veio depois quando meu irmão do meio (sou o caçula) foi estudar violão clássico e ganhou um DiGiorgio (marca de violão) nylon e ali meus horizontes começaram a se ampliar e ouvindo discos de rock (Queen, Led, Stones e Beatles) eu abri a caixa de Pandora e me descobri fã daqueles timbres que eu tentava imaginar como seriam tocados. A bateria era o instrumento imaginário em que eu mais me aproximei na minha imaginação da realidade e quando vi uma de verdade, parecia que os sons que eu havia escutado nos discos me deram o desenho dela, incrível, eu imaginava os tambores e quando vi pela primeira vez uma bateria na tevê ela era idêntica ao que a minha imaginação criara, foi paixão a primeira ouvida e vista.
2) Profissionalmente você começou com o baixo ou com a bateria?
Profissionalmente na bateria, com 6 anos eu já sabia tocar uma, pois com um par de baquetas, que meu pai havia me dado, eu batucava no sofá, travesseiros e almofadas, baldes, enfim era realmente fascinado por aquilo. Batucava em tudo. Meu tio Renato era dono da empresa de ônibus Rápido São Paulo, empresa que cobria o litoral e algumas linhas circulares da Região Metropolitana de Sampa, todo final de ano ele reunia família e os funcionários da garagem e chamava uma banda pra animar a festa e nestas festas da família eu sentava na bateria da banda contratada e começava minha saga. Foi ali que o desejo nunca mais escapou de minhas mãos. Em 1981 tive contato com o instrumento já tocando razoavelmente depois dessas experiências na infância, embora minha bateria própria só chegou em 1986. O baixo veio logo depois do Arsis & Tesis, minha segunda banda, que fazia som próprio. Ali passei a brincar com o baixo e me apaixonei pelo instrumento indo tocar profissionalmente com ele em 1990.
3) Como foi o processo de composição e de gravação do álbum "Na Beira da Estrada" clássico disco da Eletro Silvino?
O "Na Beira da Estrada" foi nosso terceiro disco oficial, tínhamos tido algumas experiências antes com o "Hunab Ku", cru e gravado ao vivo no meu estúdio da Franzini Records, que era um estúdio de Demo Tapes, onde eu fazia pré produção das bandas que mais tarde assinariam com o selo que fundei em 1990.
Em 2006 juntamos uma grana e entramos no Recnroll do Madu Madureira (Machete Bomb) e ele ainda não tinha esse nome, então no CD diz só Madu Estúdios, ainda no imóvel recém adquirido do Tomaz Giraldi dos Fusquinhas (Banda humorística de rock de nossa cena) ali no Juvevê e lá concebemos nosso primeiro CD oficial com as músicas de "Hunab Ku" gravadas com um pouco mais de requinte, esse era o "Fome de Rock Brasileiro" CD que na verdade era um apanhado da demo inicial, mais as novas composições que estavam surgindo naquele período.
Tivemos um hiato de 2000 a 2006 da formação clássica do Eletro Silvino que era eu cantando e no baixo, Hederson na guitarra e Belegone na bateria. Hederson saiu porque nosso empresário brigou comigo e o Belegone ficou do meu lado e acabou que ficamos com o Eletro Silvino e o Hederson montou o Soda Acústica. Nesse período nossa banda cover de Creedence também rachou e acabamos convidando o Tiago Kuckel pra continuarmos a extensa agenda que essa banda tinha. Aí ficou concorrência de Soda e Eletro, onde o Eletro venceu, pois tocava dez vezes mais que o Soda.
Depois nossa convivência com o Tiago Kuckel cantando covers ele acabou assumindo o Eletro Silvino também e assim de 2000 a 2005 juntos com o Tiago, tocando covers e óbvio criando, até que em 2007 resolvemos registrar. Na época montamos um subselo com a RG Records de Colombo e gravamos esse CD que é simples, não teve primor algum, mas tinha muita atitude e um grito forte artístico de quem tava cansado de ver entra e sai de bandas da cena e ninguém além dos mesmos de sempre que rachavam o pouco espaço que Curitiba dava pro autoral.
Resolvemos dar ênfase pra Santa Catarina e interior de São Paulo e Paraná onde já estávamos tocando em rádios e as pessoas compravam nossos CDs, pediam autógrafo e queriam tirar fotos conosco. De mão em mão vendemos 3 mil cópias do "Fome de Rock Brasileiro" e 4 mil do "Na Beira da Estrada" em prensagens artesanais feitas pelo subselo. "Tuieu" e "Na Beira da Estrada" simplesmente tocavam em umas 30 rádios do interior do PR e SC e onde íamos pediam essas músicas, isso também aconteceu com Quem Matou a Bolinha? do Fome de Rock Brasileiro, detalhe, não viralizava nada porque não existia onde viralizar, era CD mesmo o forte do mercado e o nosso tava se espalhando no meio universitário geral.
4) Fale um pouco sobre a sua carreira e discografia para os leitores que não conhecem o seu trabalho.
Bom eu comecei bem cedo como contei acima, mas gravar profissionalmente foi no estúdio Luiz Loy em São Paulo com o Arsis & Tesis em 1986. Alí me apaixonei por estúdios. Gravamos num rolo de 8 canais de meia polegada da Fostex e ali vi a primeira vez na vida uma guitarra IBanez, uma bateria Yamaha e gravadores de rolo, me apaixonei pelo Tascam 16 canais de meia polegada, alí foi um choque. Um console Midas e tantos periféricos lindos que pensei, quero viver esse mundo. Em 1990 resolvi que seria dono de estúdio e com isso veio o desejo de estudar com profissionais dessa época áurea da música, então num anúncio da revista Música e Tecnologia me inscrevi no Curso de Técnico em Áudio da escola Out Put de São Paulo e lá fui ter aulas com um cara das TVs Tupi e Excelsior, o famoso "Capivara". O cara era velhão e sabia tudo de áudio, equalização, analisador de espectro, mesas de som, microfonação, tive uma baita sorte, pois esse cara me abriu o mundo, e toda sexta eu ia pra SP pegava um vôo as 14h chegava às 15h ia pra zona norte em Sampa e chegava na aula às 17:30h e lá ficava até às 22h tendo aula com os cobras do áudio nacional, saia de lá ia para a rodoviária e pegava o último cometão meia noite e 45 pra chegar amanhecendo sábado em Curitiba. Foram 8 meses assim. Ao final, fui no contador e abri o CNPJ da Franzini Records em 1990/91.
Minha ideia era gravar bandas, mas vieram jingles, spots, esperas telefônicas, video aulas, narrações esportivas, áudio de documentários e assim foi minha vida entre a música e a publicidade. Como músico nesse período eu toquei bateria com a Memória de Elefante (banda curitibana) que naquele momento perdera o baterista e estava com clipe na MTV de sua música Rua XV. Peguei a banda em plena tour e tocamos pra caceta nesse período, e eu tocava muito som autoral e altos "The Polices" que eram músicas que eu tocava com o pé na as costas pois era fã incondicional de Stewart Copeland e nesse período eu estava treinando oito horas de batera por dia, 'tava voando baixo.
Minha discografia como músico e compositor:
1998 - Eletro Silvino - Hunab Ku
1999 - Allmanac - Convenção do Homem
2004 - Creedence Brasil - The Best Of
2005 - Creedence Brasil - Abrindo os Arquivos
2006 - Eletro Silvino - Fome de Rock Brasileiro
2008 - Creedence Brasil - Velhos Tempos
2009 - Eletro Silvino - Na Beira da Estrada
2014 - Eletro Silvino - A conquista Espacial
2018 - Septon Classics - Tell me
2021 - Bauritibanos - Um dia desses
2021 - Eletro Silvino - Ao vivo no Tubo de Som
2023 - Tony e Os Novos Rauls - EP
5) Como andam os projetos para o futuro, alguma carta na manga?
Sabe Lúcia, ando magoado com a música, foram tantas produções, discos, trabalhos, passaram por mim mais de 150 bandas, passei das 10 mil horas de estúdio, produzi 15 discos, gravei 12 como músico, co-produzi e fiz produção executiva em mais uns 4, prensei mais de 30 mil CDs pelo selo, saí nas maiores revistas do Brasil, recebi um prêmio internacional do selo de blues Chess Records, o maior selo do mundo do gênero, por um trabalho de produção da banda Mister Jack, ganhei dois troféus Saul Trumpet de música como produtor e gravadora do ano e ninguém sabe quem eu sou, ou os trabalhos que fiz, não há reconhecimento algum pelo release que construí, então decidi que daria ênfase a minha verve de compositor e prestador de serviço como músico mesmo.
Um cara com todo currículo que eu construí fora do Brasil estaria nadando de braçada, mas aqui na capital da panela (Curitiba) de caranguejos ninguém tá nem aí pro que eu fiz, nem rádio, nem revista, nem jornal, nem porra nenhuma, então me resta entregar o que ainda tenho, músicas. Como compositor tenho tido parcerias com os Bauritibanos, com o Sérgio Penna, com o Marcelo Ricciardi, com o Jefferson Pinos Ferraz, com o Fábio Elias e com mais algumas personalidades de fora que não quero revelar ainda, como músico tenho atuado com alguns projetos tributos que há 30 anos me chamam pra shows, pagam bem e eu vou, Creedence Brasil é um deles, fui até pra fora do Brasil tocando e conheci os caras do Creedence fazendo esse trabalho. Com o Fábio Elias temos a P!RA que era um sonho antigo nosso de homenagear o IRA! e tocamos juntos no Tony e Os Novos Rauls com o Tony Gambel do Maranhão, excelente trabalho autoral pautado no lastro musical deixado pelo Raul Seixas e por muitas ideias autorais boas do Tony, inclusive em outubro de 2023 tá chegando nosso primeiro EP e que ficou lindo, sensacional trampo onde eu toco bateria, Fábio Elias toca guitarra e faz direção musical, Marcus Vinicius da banda Paranóia de Curitiba no baixo e o Tony Gambel do Maranhão, garoto com voz revelação e um timbre que se assemelha totalmente ao do Raul Seixas cantando, enfim é isso, quando alguém me pede para ser produtor musical artístico também curto, essa construção de direcionamento me seduz e com um pouco da minha experiência posso cooperar pra melhor. Enfim é isso, embora magoado eu não desisti da música porque não fui eu que a escolhi, ela me escolheu, então sigo, em paz e desprendido de nóias, pois a música te desafia todos os dias e se você esmorecer ela te engole. Eu só a saboreio, uma hora dessas eu engulo ela.
6) Franzini, fique à vontade para suas últimas considerações, agenda de shows, redes sociais e o que mais achar necessário.
Bom agenda de shows como são muitos trabalhos com muita gente, toco em 3 duos, em 4 bandas e às vezes tem muita agenda com trampos variados, então centralizo tudo no meu Instagram e Facebook, por lá tenho páginas de todos os trampos via links no meu Instagram pessoal @franzico_73 e no meu Facebook Rogério Franzini. Lá tem agenda de tudo e quem quiser seguir, conhecer só me adicionar, não faço corpo mole pra nada, tô sempre disposto pra trocar idéias e informações.
Lúcia mais uma vez muitíssimo obrigado por esse espaço nobre e sagrado seu, espero sempre poder ajudar no que for necessário e deixo uma frase que talvez sirva pra alguém, que é ter paciência, dizia Confúcio que a paciência é uma árvore de raízes amargas, mas de frutos doces. Nunca desistam e se focar na música, foca nela, se pensar em dinheiro, desista, música não é veículo pra dinheiro, a realização sim é, estar realizado e preparado te trará a consequência que é encontrar pessoas e essas sim, poderão levar você ao encontro de coisas que te realizem e remuneram, foco na criação porque essa pode não valer um centavo na hora que ela vai pro papel ou enquanto está dentro de sua cabeça, mas a hora que ela sai de lá e vai pra realidade, ela poderá ter o alcance do mundo, acredite, tudo que acontece não é acaso ou sorte, é trabalho. Sorte é quando você não faz nada e o acontecimento vem ao seu encontro, o que é raro, portanto trabalhe.
Paz a todos e "só o amor salva".
Gratidão.
Foi um grandioso prazer responder suas perguntas e estar no espaço sagrado de seu blog, que admiro e sou leitor assíduo. Gratidão 🙏 pela oportunidade.
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