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Lado A Discos Premium entrevista Elían Woidello

 

foto: divulgação

1) Em 2021 você estreou o disco "caminho sem volta", explique um pouco sobre esse processo, principalmente sobre as dificuldades de lançar um álbum independente.

Todo processo de composição do álbum foi um processo em que eu queria conectar o meu íntimo com a coletividade, a gente enquanto artista sofreu demasiadamente nessa pandemia, primeiro porque achamos que nunca mais viveríamos as realidades dos palcos. Sempre fui compositor, todo dia componho algo e tento provar teorias harmônicas sobre melodia e harmonização somadas a refrões potentes e cheios de brilho. Entramos em estúdio em março e saímos em setembro, foi intenso, fiz o disco sem nenhum financiamento público de Fundação Cultural e o raio que o parta, fiz esse disco para dizer que o ideário de cena está superado, fora poucas pessoas com quem faço questão de conversar, a música curitibana está morta, que esse disco fala de aceitação e resignação mediante os contextos daquilo que vivemos veículo para quem vive a cena encare que estou velando o ideário de uma cena musical curitibana, sou do mundo e nada mais.

2) Para os leitores que não conhecem o seu trabalho dê um panorama geral sobre a sua carreira.

Sou Elían Woidello, músico, compositor e etc. Faço músicas, não me vejo fazendo outras coisas, sou do (bairro) Fazendinha e as esquinas do meu bairro estão em minhas músicas, e minha música é minha vida, no mais vivo e vago por aí, espero estar com 80 anos sendo vaiado em algum circo decadente no interior do Tocantins!

3) Você é natural de Curitiba, mas percebi no seu disco um sotaque gaúcho. Quais foram as suas influências pra esse álbum?

Sou curitibano, o sul começa em Curitiba, infelizmente tivemos a sorte e o azar de estarmos muito próximos a São Paulo, isso fez com que o Paraná fosse invadido e deturpado pelos bandeirantes desde os idos tempos. O gauchismo em mim está nisso, não sou do Rio Grande do Sul, mas estou com Rio Grande do Sul historicamente, sou talvez o mais curitibano dos cantores da minha geração, uso o R línguo-dental pois foi assim que aprendi a falar. 

Vivi na Argentina e tenho profundas conexões com o Uruguai e o Paraguai, e sempre vi a dificuldade do sul ser assimilado pela idéia média de brasilidade. Cresci ouvindo Beatles e música caipira, até hoje não vejo diferença de Lennon/McCartney e Tião Carreiro/Pardinho. Esse é um dos pontos iniciais da minha obra, eu estou emancipando uma forma de ser, pois todas as canções são do mundo, o problema é que o discurso oficial diz que os curitibanos são brancos, europeus e tudo eleitor do Sérgio Moro, Moro não representa em nada o meu lugar, sou a soma da minha ancestralidade com minha Terra, sou do Fazendinha, sou de uma parte do mundo, talvez seja um curitibano legítimo, por isso alguns estranham e não faço questão alguma de replicar aquilo que não sou, minha música olha para o sul e todas as copas eu torço para Argentina, quem dera tivéssemos a coragem e a postura dos nossos vizinhos. Musicalmente proponho uma revolução sensível, estou no caminho, um dia eu chego, não sei quando!

4) Como você chegou aos músicos, Marlon Siqueira (guitarras), Jefferson Sassá (baixo), Endrigo Bettega (bateria) e Gabriela Terzian (vocais), que tocam contigo nesse disco?

Cada um na minha opinião o melhor no que faz, o Sassá que estabeleceu as relações, Marlon é guitarrista fenomenal, Endrigo é um dos maiores bateristas do mundo e Gabriela Terzian uma vocalista super afinada.

5) Bereshit (nosso motivo), soou como uma das bonitas do disco pra mim, piano & voz, com um arranjo de cordas ao fundo. Como foi seu aprendizado e o seu relacionamento com o piano?

Um dos maiores privilégios que tenho é o meu ouvido, quando criança meu pai me ensinou formações de acorde em um teclado velho em casa, sempre toquei baixo e violão, entendi o piano e sabia que algum dia teria que me aproximar dele, essa aproximação se deu quando eu vivia em Buenos Aires e trabalhava como "arbolito" uma espécie de cambista de casa de show e o pianista tinha ficado doente, naquela noite o dono da casa de show desesperado foi perguntar para a gente que trabalhava na rua se havia algum pianista, não sei se por inspiração de alguma divindade, arrogância ou loucura mesmo eu disse que sabia tocar, toquei o baile inteiro, todas aquelas milongas antigas de Gardel, Goyenete e etc. 

Foi aí que encontrei meu instrumento, em um cabaré sujo no bairro da Boca em Buenos Aires. Sobre a canção, ela fala dessa relação entre nós, humanos, meu avô abandonou meu pai e minha avó, isso causou muitas dores em minha família, porém é deles essa veia musical, meu pai é uma pessoa que o talento musical transcende a tudo, cresci o suficiente para poder dizer isso de maneira madura, ninguém sabe o que está em nós, apenas ao redor. 

Os arranjos eu fiz inspirado nos barulhos dos carros que passam no Fazendinha, onde comecei o caminho sem volta de ser músico, harmonizei o caos e fui bem. Nesse texto faço referências a identidade coletiva, cito Dalton Trevisan, Kleiton e Kledir e Moacyr Scliar, essa música fala dos nossos inícios, Bereshit é o primeiro livro da Torah, o Gênesis da Bíblia, o Principio, no princípio e em princípio, porque olhar para dentro de nós mesmos é  olhar para o céu, e olhar para o infinito e não entender nada!

6) Elían fique à vontade para suas últimas considerações, deixar contatos, redes sociais, agenda de shows e o que mais achar necessário.

Queria dizer que vozes como a sua, Lúcia, são vozes que afirmam a diferença dentro da Justiça, a busca pela igualdade. Somos duas pessoas diferentes, cada qual com seu drama, com seu carinho, com sua dor. Todos nós devemos valorizar as diferenças, sejam elas de qualquer tipo, estamos em 2022 e o pensamento artístico brasileiro ainda é do século 19, não conseguimos propor nada além dos modernistas daquela época, o que eu tenho para dizer para todos e todas que nos escutam de quê a história é feita por pessoas como eu e você Lúcia Porto, os outros que são opositores da Igualdade dentro da diferença estão condenados a lata de lixo da história. 

Também gostaria de dizer que Curitiba nunca houve, Curitiba é uma ilusão e aconselhar a todos e todas, com as minhas botas de sangue como Garcia Lorca, que superem o estar e sejam o que quiserem!

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