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Marcio Tadeu entrevista Lúcia Porto

 
Foto: Isabella Lanave.

1 - Fale sobre você. Quais seus projetos anteriores e como conheceu e começou na surf music.

Meu nome é Lúcia Porto, e como você sabe, sou mulher trans. Tenho 48 anos e me assumi em 2017, quase vinte anos após o fim da banda curitibana Stanley Dix, por isso todas as minhas respostas serão no feminino, mesmo abordando o período que não era assumida. Comecei tocando guitarra desplugada aos 13 anos, nem sabia o que era amplificador hehe. Aos 15 comprei meu primeiro violão, aos 20 comprei minha primeira guitarra, uma Jennifer, que ligava em uma caixa amplificada do meu pai de criação. Com essa guitarra montei minha primeira banda os The Stars, que durou poucos ensaios.

Aos 24 entrei para o curso de música da UFPR (Universidade Federal do Paraná), na época Educação Artística e logo nos primeiros dias fui convidada para ser baixista de uma banda que não havia feito um show sequer. Aceitei, essa banda era a Stanley Dix e eu praticamente nunca tinha ouvido falar em surf music.

2 - Descreva atividades relacionadas (produzir, manager etc).

Nessa época (1998) não sabia nada sobre os meandros do mundo da música, a Stanley Dix não era um projeto meu, era apenas uma "funcionária". O Mark Cleverson (guitarrista, hoje no Hillbilly Rawhide) e o Rafael Silveira (trumpetista e vocalista, hoje artista plástico) eram os fundadores responsáveis por fazer o projeto acontecer, eles marcavam shows, confeccionavam cartazes e saíamos colando pela cidade. Ambos conheciam o Manoel José de Souza Neto, que na época já era um manager de destaque, assim como o JR do 92. Aprendi muito com a banda nessa época, mas meu papel era apenas ensaiar, fazer shows e gravar. Não tinha acesso a parte financeira, não sei se havia cachês e como esses cachês eram investidos na banda. Recebi apenas um cachê em mais de dois anos de shows, enfim... As despesas eram custeadas pelos 4 integrantes (o quarto integrante era o Ricardo Nóbrega - baterista), ensaios e gravações, mas tivemos um problema com a gasolina da kombi, que pertencia ao pai do Mark Cleverson. Essa questão da gasolina e manutenção do veículo, foi o começo do fim da banda.

3 - Comente a cena da surf music na sua cidade/região.

Não posso falar pelos anos 60, mas nos anos 90, quando veio a 2ª onda da surf music, vamos dizer assim, acredito que nós da Stanley Dix fomos uma das primeiras bandas do estilo na cidade. Era uma cena pequena, me lembro da sua banda Kozmic Gorillas e dos Limbonautas. O que ajudou muito as bandas de surf music da cidade foi a proximidade com a cena psychoblilly e da cena punk, nós acabamos fazendo parte da cena deles, acredito que não teríamos força para criar uma cena apenas de surf. Mais de uma década depois (2015 - a Stanley Dix acabou em 2001) apareceram a Movie Star Trash e a Shark Shakers, ambas com influências declaradas da Stanley Dix, o que me deixou bastante feliz.

4 - Como você considera o espaço que a surf music tem: no mercado? Com o público? No exterior?

Com exceção aos anos 60, onde pelo menos Dick Dale e os Beach Boys foram grandes estrelas, vejo a surf music quase no underground. Talvez no exterior os artistas do estilo consigam fazer uma carreira em nível médio, ou seja, não são underground, mas também não são estrelas, cito como exemplo a banda canadense The Surfrajettes. 

No Brasil aconteceu mais ou menos o mesmo, nos anos 60 tivemos The Clevers, The Jet Blacks, estrelas, de certa forma, do rock nacional. Depois só ouvi falar d'Os Ostras nos anos 90 e dos Gasolines, que de certa maneira, eram conhecidos nacionalmente. No mais, vejo todas as outras bandas nacionais no underground, mas posso estar enganada.

5 - Na questão shows, que exemplo (s) você pode citar que refere-se a fomento do estilo?

Acho que a primeira vinda do Dick Dale (1937 - 2019) ao Brasil em 1997 fomentou o que chamo de 2ª onda da surf music no país, a 1ª seria a dos anos 60. Logo depois, em 1998, vieram os americanos do Man or Astro-Man? Depois não percebi outras bandas, talvez a vinda de grupos do exterior ajudasse mais o cenário, por exemplo, algum manager poderia trazer as The Surfrajettes.

6 - O que é a surf music para você?

Rock clássico, do início, um estilo que ajudou a formatar o rock que veio depois, que traz sua influência até hoje.

7 - Cite algumas realizações da sua banda.

A banda teve uma trajetória curta (1997 - 2001), entrei no grupo em 1998 quando ainda não havia sido feito nenhum show. As apresentações clássicas (execeção ao Ciclojam - lá é o André Manolo no baixo) e as poucas gravações originais que tenho acesso, sou eu no baixo. Tocamos com a maioria das grandes bandas locais da época, com pouca exceções. Vou citar apenas dois shows, pra não me estender. Em junho de 1999 nós abrimos o show da Okotô em Curitiba, uma banda paulista dos anos 80 que tinha dois LPs gravados e tivemos uma boa resenha (escrita pelo jornalista Digão Duarte) do show, publicada no jornal Gazeta do Povo.

A Cherry Taketani (falecida aos 50 anos em 2017 - na verdade a idade dela nunca foi confirmada) vocalista e guitarrista da banda, gostou da Stanley Dix e nos convidou a tocar no Hangar 110 em São Paulo - capital, nós tocamos lá em dezembro daquele 1999. O Hangar 110 foi um bar, que pra mim, era tipo um CBGB brasileiro, lá tocaram Ratos de Porão, Forgotten Boys, Blind Pigs, Retrofoguetes, Cólera, Dance of Days (a vocalista Nenê Altro se assumiu mulher trans em 2020), CPM 22, NX Zero entre muitas outras.

8 - Como você vê o cenário da surf music no Brasil e no mundo?

No Brasil é underground, e você sabe como é o underground, pouco dinheiro, poucos shows, poucos lugares que fomentam o estilo. Talvez em outros países, EUA e Europa principalmente, as bandas consigam ter uma carreira mediana, nem underground, nem rock stars. É o caso das The Surfrajettes, a banda canadense que já citei.

9 - Existe algo possível que se possa fazer para criar um futuro promissor, tanto para as bandas que já existem quanto às futuras?

Acredito que o problema não seja apenas com a surf music, é no music business como um todo, principalmente no Brasil. Há uma visão generalizada de que música não é profissão, que não é estudo. Vejo muitos artistas consagrados dizendo que: ou estudava ou ia pra música, ou trabalhava ou fazia shows, como se música não fosse trabalho ou estudo. Muita gente, inclusive músicos de destaque, acreditam no "dom" ou no "talento", que é um "escolhido". Daí fica difícil negociar, vender, comprar shows, aulas, instrumentos, críticas, jornais, revistas, blogs, influencers etc.

Não estou dizendo que não exista "dom" ou "talentos" natos, mas isso é apenas uma pequena parte do negócio. Se estabelecer e ter uma carreira em um mercado como esse é para poucos. Iniciativas como essa que você vem fazendo é um caminho, outras pessoas também estão por aí fazendo seus projetos, talvez se a classe musical fosse mais unida as coisas poderiam dar algum resultado. É um assunto complexo.

10 - Cite 2 momentos que você julga importantes para você e um para o estilo no Brasil.

Minha iniciação aos meandros do mundo da música foi com a Stanley Dix, acho isso um ponto importante, ter tocado no Hangar 110 com banda, foi o segundo. Para o Brasil, foi a primeira vinda de Dick Dale ao país em 1997.


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