No tempo da faculdade (1998 - 2002) sempre me perguntava por que cargas d'água tinha que ter aulas de análise musical. Certa vez, bem depois de formado, peguei um disco do cravo bem temperado de J.S. Bach. Olhando a contracapa vi uma série de pequenos textos explicando cada faixa, lendo notei que se tratavam de análises. Na universidade fiz um texto de análise da Invenção nº04 de Bach e sei o quanto é trabalhoso esse tipo de texto. Você tem que pegar a partitura da música e analisar compasso por compasso, e ainda organizar um discurso que diga alguma coisa interessante, fiz apenas um. No caso do disco o analista fez oito e nem há o nome dele na contracapa. Na minha análise fiz uma descoberta sem querer, meu professor na época achou aquilo ótimo, disse que se chamava contraponto invertível, ainda tenho esse texto, escrito em 2001, tirei um A.
Tenho um "Dicionário de Termos e expressões da Música - Henrique Autran Dourado" e fui procurar "contraponto invertível": técnica contrapontística em que a posição das vozes pode ser alterada sem prejuízo do resultado. O interessante é que esse dicionário só foi publicado em 2004 e só comprei em 2010, já na 2ª edição, nove anos depois daquelas aulas na universidade. Na época não entendi o que queria dizer um A, sabia que o professor tinha feito doutorado em música nos EUA, mas não associei o A com uma nota alta. Só agora reparei que nos EUA as notas são dadas pelas letras do alfabeto, mas não sei exatamente quanto vale um A. Fiz uma análise pertinente, como ele mesmo escreveu (acho que eu não sabia o que era pertinente). Encontrar um aspecto que não era evidente no gráfico, também não entendi o que ele quis dizer com gráfico, ele quis dizer partitura.
Percebo agora depois de seis anos dando aulas e mais quatro fora do magistério alguns pontos onde a análise musical se justifica. Por exemplo, se você tem um projeto de coral e quer fazer com que os alunos cantem a duas vozes será necessário um arranjo, se não encontrar nada pronto terá que criar um. Para criar esse arranjo é preciso saber a harmonia da canção, se a tonalidade não couber nas vozes dos alunos terá que ser feita uma transposição (hoje os sites fazem essa transposição automaticamente), para fazer a transposição você precisa fazer uma análise da harmonia. No caso da abertura das vozes será necessário abrir os acordes para cada voz cantar determinadas notas. Vamos supor que haja um acorde menor na harmonia e que os alunos tenham dificuldades em cantar intervalos menores (eu tenho essa dificuldade), dá para substituir por um acorde maior (dependendo do caso), para fazer isso você precisa fazer uma análise para decidir qual acorde poderá usar.
No tempo da faculdade encarava as coisas de outra maneira, pensava assim: quem vai se interessar em saber sobre análise musical? Pra que as pessoas vão usá-la? Não há sentido nenhum em se ensinar esse tipo de assunto! Eu tinha certa razão, realmente a análise musical não era para ser ensinada, ela era para ser usada por mim mesmo no ensino de outros assuntos, no entanto, essa resposta ninguém me deu, até por que também nunca perguntei. Com o passar do tempo fui gostando de fazer análises, sempre descubro alguma nuance diferente ou algum detalhe que tinha passado batido. Por outro lado, análise é uma obra a parte - é um discurso construído com base no conhecimento de teoria musical, além disso, precisa ser coerente.
Você pode compor sem conhecimento teórico, mas para analisar, em geral, precisa ter. É um trabalho lento, você fica ali pensando: o que esse acorde está fazendo aqui? Fica testando outras opções e decifrando o caminho tomado pelo compositor. O bom de fazer análises é que passei a usar muito do conhecimento aprendido na faculdade e consegui encontrar utilidade para uma série de assuntos que pensei que nunca usaria e passei a entender assuntos que pensei que nunca entenderia. Análise musical não é um assunto muito discutido no Brasil, tem pouca literatura. O aluno tem que passar por vários estágios, estruturação musical, harmonia, um pouco de história da música também ajuda, etc. Acaba ficando inviável publicar livros sobre o assunto porque a educação musical no Brasil não é levada a sério, quem vai se interessar por isso? Não é mesmo?
No tempo dos Lps alguns discos traziam na contracapa textos de análise, normalmente de música clássica e jazz, só percebi tempos depois de formado. Depois fiquei pensando, quem vai entender esses textos? Os Lps e depois os CDs, deixaram de ser a principal forma de ouvir música faz tempo, com a internet as análises não acompanham mais as músicas, talvez se encontre algo na wikipédia.
O interessante é que a minha maneira de fazer análises é ligada a forma tonal de pensar, o pensamento tonal foi bastante questionado por Schöenberg que acabou criando o seu "dodecafonismo" no início do século XX. A chamada música contemporânea teve grande influência na música popular, incluindo o jazz e o rock. Logo, muitas análises ficariam comprometidas pela falta de conhecimento em relação a estruturação da música contemporânea que se baseia em conceitos bem distintos da música tonal. Mesmo assim o percentual de música tonal que ouço é muito superior ao de música contemporânea e as análises são interessantes para ao menos, poder chegar a compreender as influências da música contemporânea.
(escrito originalmente em 18 de agosto de 2014)
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