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Entre o esquecimento e a reconstrução - minha primeira apresentação após o internamento


Quando saí da internação psiquiátrica em julho de 2017 após 24 dias, eu havia esquecido todas as músicas que tocava no violão. Não esqueci acordes, escalas, nem shapes, mas não conseguia construir nada, nenhuma música, a não ser as do primeiro repertório. Eu separo o material que toco em dois repertórios, primário e secundário. O primário são canções populares, com poucos acordes e sem solos, músicas que em geral eu canto, mesmo sem ter uma voz de destaque. São músicas que lembro de cabeça ou dou uma olhada nos acordes e aprendo na hora, sem preocupações de lembrar depois. Essas canções eu tocava na clínica quando havia aulas de musicoterapia, uma das atividades que mais me animavam por lá. 

O secundário são peças complexas que me propus a tocar em meados de 2014, quando voltei a fazer aulas de violão, um salto que quis dar na minha "carreira" de musicista. A partir dessa época fui construindo um repertório instrumental que somavam oito temas, cada tema levava aproximadamente de três a quatro meses de trabalho para ficar pronto, mais o tempo que levava para definir qual seria a próxima peça, foi esse repertório que esqueci completamente depois de três anos de trabalho.

Saí da clínica outra pessoa, em outro gênero e com outro nome e não tinha certeza se continuaria a me envolver com música, de lá fui direto para um período intenso na psicoterapia, período esse que dura até hoje. Havia muitos problemas a resolver e um deles era, o que fazer da minha vida profissional? Dos muitos caminhos abertos no tratamento, trabalhei num bloco de coach e ele me mostrou novamente a música, não me animei muito, mas voltei a trabalhar nos projetos. Minha terapeuta me incentivou a tocar, então, eu buscava lembrar algumas músicas do repertório secundário em casa e quando estavam prontas, levava o violão para as sessões e mostrava os resultados, isso me deu esperança de reconstruir aquele repertório. 

Em momentos de solidão, comecei a me maquiar e fazer pequenos vídeos tocando uma música ou outra do repertório primário, canções simples, de brincadeira, coisas que lembrava de cabeça ou que lia na hora e postar no perfil. A Sabrina Taborda da Appad (Associação paranaense da parada da diversidade) viu alguns vídeos e me convidou para tocar no Sarau Trans, organizado pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação em parceria com a Selvática Ações Artísticas (realizado ontem - 27. jan.) em virtude das comemorações do Dia da Visibilidade Trans, comemorado em 29 de janeiro. Sugeri tocar duas peças para violão do maestro Waltel Branco (1929 - 2018) que constavam no meu repertório secundário, "as cores do leme" e "argamassa", que ela aceitou prontamente.

Me apresentei como violonista solo apenas uma vez, em setembro de 2014 no Canal da Música em Curitiba, tocando justamente "as cores do leme" do seu Waltel, era uma boa oportunidade de homenagear novamente o maestro, falecido em novembro do ano passado. Apesar de nervosa, acho que consegui tocar a contento ambas as peças. Fiquei muito feliz pela receptividade do público presente e pelo carinho e respeito com que fui tratada. Meus sinceros agradecimentos à toda Comunidade Trans sobretudo à: Sabrina Taborda, Andreia Lais Cantelli e Leonarda Glück.

Lúcia Porto

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