Pular para o conteúdo principal

Uma Fina Camada de Gelo - Uma imersão rica e detalhada no sempre independente rock curitibano


Se você pensa, ou pensou, em ser músico de rock profissional e mora no Paraná (em Curitiba, mais especificamente) sugiro que leia esse livro. Uma leitura atenta e cuidadosa pode, ou poderia, fazer você mudar a rota do seus planos. Correr atrás das realizações e sonhos é bastante saudável, mas é importante saber onde você está se metendo. O autor, Eduardo Mercer, abre várias linhas do cenário do rock autoral da cidade desde os anos 60 e vai colocando no tabuleiro quem é quem no complexo jogo de xadrez da cena roqueira curitibana. Como foi formado o nosso frágil mercado interno e como as mudanças externas, desde a afiliação da TV Paranaense a Rede Globo em 1970, passando pelo fim do vinil em meados dos anos 90 até a chegado do streaming no início dos anos 2000, afetaram gerações inteiras de bandas e músicos locais.

Dividido em capítulos, o livro tem uma narrativa que busca juntar várias peças de um longo quebra - cabeça, que passa por bandas importantes que caíram no anonimato, até os poucos músicos e grupos que alcançaram as grandes gravadoras e o sucesso nacional, a algumas bandas inclusive é destinado capítulos inteiros. Uma única rádio rock, onde os grupos locais tocavam apenas domingo das 23hs às 00hs, praticamente um caderno de cultura destinado ao público jovem e festivais independentes organizados com o mínimo de apoio.

Conheci boa parte dos personagens do livro, quando a banda em que eu tocava começou, o cenário já estava montado. Tocamos na rádio rock, frequentamos as páginas do caderno cultural, fizemos shows nos festivais independentes e gravamos nos estúdios que foram sendo abertos, em maior número a partir dos anos 80. Essa frágil cena foi o suficiente para iludir centenas de músicos e bandas, inclusive eu. O boicote das grandes gravadoras, os contratos leoninos e a resistência das bandas curitibanas que fizeram tudo sozinhas. O descaso da imprensa local, principalmente do nosso maior canal de TV e o pouco apoio do poder público, representado em quase toda a sua maioria na Lei Municipal de Incentivo à Cultura, cuja a verba é disputada quase no tapa.

Está tudo no livro, sem meias palavras, sem conchavos, seja com figurões do "showbusiness" curitibano, seja com o poder público, com a imprensa ou com gravadoras. Quem foi embora, quem ficou, quem processou quem, quem ganhou, quem perdeu. Uma imersão rica e detalhada no sempre independente rock curitibano.

Há apenas uma injustiça, quase no final da pesquisa o autor dá uma opinião genérica sobre a identidade do rock curitibano, alegando que boa parte das bandas apenas copiava grupos dos EUA e do Reino Unido. É verdade, a exceção do Blindagem, cujo primeiro disco de 1981 é bastante calcado no folk rock de Crosby, Stills, Nash & Young, que havia lançado o clássico álbum "deja vu" em 1970. No Brasil, o trio Sá, Rodrix & Guarabyra trouxe essa influência já em 1972 no que ficou conhecido como rock rural, a diferença com o Blindagem é que a banda curitibana associa ao rock rural elementos da cultura paranaense como na faixa "cheiro de mato" que descreve o amor do personagem a árvore símbolo do Paraná, o pinheiro. Não à toa o Blindagem é a banda de rock mais representativa do estado.

Lúcia Porto c/ Eduardo Mercer - autor de "Uma Fina Camada de Gelo"
na FIMS - Feira Internacional da Música do Sul jun. 2018.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 500 nomes mais marcantes da música curitibana

joão romano nunes aka cabelo (violonista e compositor)  A abonico smith (jornalista). ademir antunes aka plá (violonista, cantor e compositor). ademir tortato (cantor, compositor). ades nascimento (cantor, compositor). adri dallo (cantora e compositora). adri grott (cantora, compositora). adri neves (jornalista, locutora). adriano sátiro bittencourt (violonista e compositor). adriane perin (jornalista). ágatha pradnik (acordeonista). aglaê frigeri (percussionista). airto moreira (baterista, percussionista). airton mann (guitarrista, compositor). alberto rodriguez (guitarrista, cantor e compositor). alceo bocchino (maestro, arranjador, pianista e compositor). aldo pallets (guitarrista). alec beraldi aka pisCes (guitarrista, cantor, compositor). alex gregorio (violonista, compositor). alexandra scotti (cantora, compositora). alexandre benato (baixista e vocalista).  alexandre bühler (cantor, compositor). alexandre kassin (compositor, produtor cultural). alexandre martins (cantor...

Seda (álbum) 2022

Não há uma linha condutora que ligue todas as canções, mas uma escuta atenta nos faz perceber toda a riqueza e beleza desse álbum. Todas as letras escritas em um português muito bem construído. O músico  Ades Nascimento , responsável pelo projeto, explica como foi o processo de produção do álbum.  " Em 2018 o Sesi publicou Edital de inscrições para o Núcleo de Música, com as participações  do maestro Isaac Chueke , e dos produtores e compositores Vadeco Schettini e Alexandre Kassin . O Edital ofereceu 12 (doze) vagas para duas semanas de "vivência" na Casa Heitor Stockler e Estúdio Astrolábio. Foi através desse Edital que conheci Luque Diaz . Músico e produtor de uma nova geração (comparada à minha) com excelente conhecimento de produção musical. Multi instrumentista. Conhecedor de ritmos da cultura brasileira, africana e de outras nações, imediatamente rolou uma sintonia entre minhas composições e suas audições. Ao final dessa vivência submeti o projeto sedA - Ades ...

Lado A Discos entrevista Nélio Waldy (Nelinho)

1 - Fale um pouco sobre a sua carreira musical pra quem não conhece seu trabalho. Comecei no final dos anos 70, no início dos 80 tínhamos uma dupla folk chamada "Zepelin e Nélio" , eu e o Marquinhos , que é irmão do Reinaldo Godinho (importante compositor e cantor paranaense). Uma música que gravamos, chamada "cowboy americano" , tocava direto no programa que o Maki Maru tinha na Rádio Iguaçu (a rádio era uma das líderes de audiência em Curitiba , ficou no ar por trinta e um anos e desde 1968 era parte do grupo do empresário Paulo Pimentel . Foi fechada em 27 de maio de 1977 pela Ditadura Militar por ordens do então Presidente da República Ernesto Geisel, sem qualquer justificativa).  Em 82 formei o "Grupo Dharma" , que tinha uma pegada mais prog (progressiva). Como guitarrista acompanhei, alguns artistas locais e também fui baixista de baile. Em seguida formamos o "Sinal Verde" e a "Primata Embriagae" , que mais tarde vi...