na minha adolescência, final dos anos 80, não havia baile funk em curitiba, se havia, nunca tinha ouvido falar. lembro vagamente de alguns b. boys dançando break no hall do shopping itália, ali no centro, mas eles eram mais ligados ao hip - hop e só. eu andava com o pessoal do rock e naquele tempo as galeras não se misturavam e os rockeiros nunca foram uns caras que soubessem dançar, pelo menos, não aqueles rockeiros, que curtiam o rock em voga no período. eu sempre quis dançar, cheguei até a comentar no trabalho que queria fazer aulas de ballet, mas os caras que trabalhavam comigo me olharam torto e acabei ficando na minha e aí fui me enfiando no negócio de tocar e ser uma estrela do rock fracassada e acabei esquecendo do pessoal break.
quando o funk carioca começou a tocar nas FMs populares de curitiba, em meados dos anos 90, simplesmente não dei atenção. mas era impossível não conhecer determinadas músicas como: mel da sua boca (copacabana beat - 1994), me leva (latino - 1994), rap da felicidade (cidinho e doca - 1994), rap das armas (mc júnior e mc leonardo - 1995) ou só love (claudinho e buchecha - 1998). não posso dizer que gostava, mas também não posso dizer que não gostava, como disse, simplesmente não dava atenção.
a verdade é que ainda não tinha um conhecimento sobre o funk dos anos 70, nem sobre o soul, e muitos artistas brasileiros dessa linha passaram batido por mim na época, como cassiano e sandra de sá, que querendo ou não, influenciaram muita gente do funk moderno do rio. por outro lado, há um parentesco do funk carioca com o rap e o hip hop, a ligação é um subgênero norte - americano conhecido como miami bass, mas o funk do rio de janeiro brilhou muito mais.
o meu lance com o soul e o funk só veio na idade adulta, mais pro fim da graduação em música na ufpr - universidade federal do paraná (1998 - 2002) e início da pós em mpb na fap - faculdade de artes do paraná (2002 - 2004). minhas monografias foram focadas no rock e para escrever sobre rock precisei pesquisar e aí apareceram o soul e o funk. o problema do funk carioca sempre foi o tráfico nas comunidades do rio e as facções, há um preconceito grande em relação ao estilo, aqui em curitiba não havia ninguém que eu conhecesse que dissesse abertamente que gostava de funk do rio de janeiro. os músicos, os acadêmicos, os ouvintes, ninguém levava o funk carioca a sério, e confesso, também fui uma dessas pessoas.
quem me chamou a atenção de verdade para o funk do rio foi uma guria que estava completando 20 anos em 2013 (eu já 'tava com quase 40) conhecida como anitta. havia nela um senso melódico apurado, afinação e uma veia pop, seu primeiro single "show das poderosas" foi um arrasa quarteirão. ela me chamou tanto a atenção que comprei seu primeiro CD - anitta 2013, sim na época ainda vendiam CDs.
preciso abrir um parágrafo pra falar da estética e da questão do gosto na música. pra muita gente o funk carioca não tem qualidade musical, isso vem de um senso estético que é formado a partir das experiências sonoras do ouvinte e a verdade é que a maioria dos rockeiros nunca teve boa vontade com o funk do rio, inclusive eu. quem mudou isso em mim foi a professora jusamara souza, que ministrou um módulo que cursei na pós em mpb chamado sociologia da música. a professora jusamara era docente do departamento de música da ufrgs (universidade federal do rio grande do sul), doutora em educação musical pela universidade de bremen na alemanha. resumindo o módulo, ela falou muito dos músicos de rua e da relação que eles tinham com a sociedade estabelecida, aquilo abriu meus ouvidos para vários estilos que eu não gostava por que estava presa a um senso estético. como diz a sabedoria popular gosto é gosto mas senso estético precisa ser contextualizado, o fato é que ninguém é obrigado a gostar, mas precisa respeitar e nós como pesquisadores da música precisamos conhecer e ouvir com atenção. a partir dali comecei a respeitar e a ouvir com cuidado o que não gostava.
outro detalhe que chama a atenção é o casamento do funk carioca com as batidas eletrônicas, os timbres e a maneira como isso foi feito nas comunidades do rio chamou a atenção dos djs europeus e americanos e por isso, o funk do rio explodiu tanto fora quanto dentro do país. no final dos anos 90 a mpb passou por um processo similar ao funk carioca, um namoro com a música eletrônica, não com o subgênero norte - americano miami bass, mas com o inglês drum n' bass. ao que parece, marina lima ao gravar o CD pierrot do brasil em 1998 foi a primeira a começar esse namoro, seguida por zizi possi, que gravou a faixa "preciso dizer que te amo" (dé palmeira, bebel gilberto e cazuza) com beat eletrônico, última faixa do seu disco bossa de 2001. mais nomes se juntaram ao time como, patricia marx, fernanda porto, bossacucanova e bebel gilberto. acredito que o sucesso e a aceitação do funk do rio fora do país influenciou muito esse time, que poderíamos chamar de nova mpb, mas isso é outra história.
anitta abriu caminho para ludmilla, mc mayara (curitibana, inclusive) e pabllo vittar. olhando em retrospecto vejo que vivi e ouvi muitos clássicos do funk moderno do rio, uma época que poderia me dar mais saudades se eu não fosse tão problemática. confesso que desse último time citado quem pegou meu coração de jeito mesmo foi a anitta.
ouça mel da sua boca com o copacaban beat de 1994 - um pequeno clássico do funk carioca.
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